- Isto aqui não é como lá! - dizia o Abelho para o Outro. O Outro não parecia muito interessado naquela conversa. Aquele sujeito tinha sempre umas conversas estranhas. Sem sentido. Ficava à espera que risse às gargalhadas das historietas sobre esfregonas. Ele tentava dizer coisas através de outras. Até aí o Outro percebia. Depois não lhe seguia o alcance prático, não imaginava a que se referia.
- Lá até para nos esponjar-mos no chão temos que ter licença.
- Para se esponjarem no chão? - Aonde?
- Em qualquer local, como forma de protesto. É uma espécie de livro de reclamações. O estabelecimento é obrigado a colocar as vezes em que alguém se esbodegou no chão a protestar por algum mau serviço ou produto.
- Ah! e... prosseguiu o outro, já mais interessado, quanto mais não fosse, pelo resultado daquela historieta. Também não tinha mais que fazer. Embora as conversas do Abelho fossem sempre um pouco sem sentido, sempre era uma companhia. Um ruído de fundo, um animal de estimação autónomo. Por isso lhe aturava aquelas pretensões.
- E a roupa, as pessoas ficam com a roupa toda suja ou pedem previamente para limpar o chão. Ou tem uma mantinha para o cliente se esponjar-protestar?
- As casas mais reputadas tem mesmo mantinhas para isso, com espuma. Os colaboradores tem que ajudar a pessoa, se tiver dificuldades, a esponjar-se e dar pelos menos três voltas, ou sobre si mesmo ou...
- Há então um regulamento para isso?
- Claro! Há até fulanos que se dedicam a isso, a fazer o esponjamento a troco de um pagamento. Como as carpideiras antigamente. Só não se poem a carpir copiosamente. Suponho que o copioso dependia da importância do finado.
- De quem?
- Do tipo que morreu.
- Então morriam tipos?
- Todos os dias morrem tipos.
- A fazer os esponjamento?
- Não...estava a falar das carpideiras.
- Ah! Carpideiras, são aquelas cobras que...
- Eram mais actrizes que cobras.
- Pois! Onde é isso se passa mesmo?
- Para além de se passar na minha cabeça passa-se também na realidade, só que tem outros nomes.
- Outros nomes? Para que tem outros nomes?
- É para falar de assuntos sem falar deles. Como se estivesse a tentar ludibriar a censura. Adiar o sono. Permanecer jovem.
- Tens cada ideia.
O Coro (traduzido):
- Tudo se passou muito rápido e não somos irresistíveis, somos descartáveis. Dispensáveis.