Existe muita gente para quem a evocação dum cemitério é de evitar. Passei por um. Passo lá imensas vezes, a qualquer hora. É grande e o acrescento que lhe fizeram está quase todo ocupado.
Fui ver os anjos, os Cristos-Rei, os desenhos das campas. Vi também alguns conhecidos que para lá levaram. Evocamos sempre as pessoas e o que significaram para nós e o que significaram para quem quis deixar uma última (?) mensagem.
Para mim nada daquilo que lá alguma vez foi visto por quem teve que partir. Faz sentido que os vivos, à falta de melhor, se possam consolar com isso. Quando ali mesmo me comecei a interrogar sobre o significado de todas aquelas sepulturas, ficou-me uma na retina: é um arbusto. Em vez de mármores e granitos, um arbusto vivo.
Não é meu desejo prejudicar os que vendem campas. Todo aquele mármore antigo, que se vai enchendo de nódoas que não se lavam, em contraste com o granito das novas campas. Nota-se uma evolução na qualidade estética.
O arbusto ou uma campa rasa, sem nome, como as que vi lá, seriam o melhor lugar para um dia para lá me levarem. Se assim o entenderem. Depois de ir preenchido o certificado de óbito, já fui. O que quer que seja que isso signifique. Já não estou cá, não adianta fazerem-me mais nada, senão não me deixarem a incomodar os vivos.
Por respeito das crenças não estou a perorar nada daquilo que ali está visível. Compreendo a necessidade higiénica de se proceder assim com um cadáver. Compreendo a dor das pessoas.
A campa onde está sepultado o meu pai está noutro continente. E está bem. Ficou na terra que amava. Nunca precisei de campas para o evocar, apesar da recordação pouco nítida dele. A dor da sua partida, tinha eu cinco anos, manifestou-se ao longo do tempo, quando pensei precisar dele.
A falta que me fez poderia imaginá-la, mas não é saudável ter este tipo de raciocínio. Ele perpetua-se nos genes que me passou, para escrever e para utilizar a cabeça com tudo isto que partilho convosco.