Há sempre uma luz no fundo do túnel, ainda que role de óculos escuros. Desafio vencido. A gravidade. O foco na luz ao fundo do túnel de Farminhão. Um verdadeiro túnel para este pensar ser real. Com óculos escuros reais, numa bicicleta real. Repeti. Da primeira vez foi por distracção. Da segunda por desafio. Faço tudo por querer experimentar mais. Aprender. Saber como é. Ir primeiro ao básico. Ao sonho. Ao frigorífico. Espreitar o impossível. Ser até seu seguidor em noites estouvadas. Caseiras.
- Legitimaram outrora que pensasse por mim. Faço-o? É o último reduto de mim. Destruí-lo é destruir-me. Destruir esta versão. Nesta idade pode-se mudar de pele? Ainda é permitido? Qual o preço? É fornecida alguma garantia? De manutenção?
Esta pele está seca e com rugas de expressão, de rios superados, de fracassos, de desilusões, de muitos sonhos que não cabem nos quadros dos grandes pintores. Devia dar pinceladas finais em frases, se me desse a esse trabalho. O modo rolo - publicar com fundo laranja, formata-me. Indelevelmente! (sempre quis escrever isto!)
Vim aqui ter pelas desilusões que me causaram? Contratempos ou desilusões? Que esperava com tudo isso? Com essa feira armada, bem jurava que as sebes iriam crescer demais. Não vi os tentáculos. A cobiça do Tesouro de Sierra Madre. Já nem me estou sequer a queixar.
- «Não é permitido! Queixas sobre a tua própria assinatura. É uma manobra dilatória!» - Profere o Coro solenemente.
Eu devia tossicar, é conveniente tossicar antes de dizer algo em nossa defesa. Mas fico surpreendido por esta faceta legal do Coro. Quase que me engasgo. Este não é um tossicar premeditado. De alguém que sabe bem o que vai dizer e apenas não quer ser interrompido por um estúpido pigarreio (tudo expressões conhecidas da fisionomia das personagens, mais do que na vida real - no supermercado não se pode pigarrear, pode parecer petulante).
- Tento deixar de viver de (des)ilusões. É quilo que consigo sustentar, ou o que se sustenta por si próprio. Não sou um microorganismo. Ando nos confins à procura de simples respostas que não existem? Como nascem as perguntas todas que faço? Que género de resposta espero encontrar?
Nenhuma!!! Faço isto para me distrair. Para não morrer de tédio. Não é para impressionar. Ninguém leva a sério quem corre descalço e se constipa, por via disso.
- «Vai descansar! Não leves os dedos à loucura!
O ácido láctico a confundir as palavras. As impressoras entupidas pelo barulho de fundo. Aqui não se passa neste momento rigorosamente nada. Não é preciso. Não sinto o movimento de translação nem de rotação, mas acredito nele. Posso perfeitamente acrescentar uma dúvida a outra, empilha-lhas. Posso até ter a pretensão de as submeter a um detector de mentiras ou a um especialista em linguagem corporal. A um especialista de estética. Podemos determinar um perfil criminoso pelo tratamento da pele?
- «Nessa, não acreditamos nós!» - O Coro.
Um coro é apenas um bando bem organizado de tipos que tem uma alta prosopopeia – (Valente! Não deu erro. Bravo Corrector!). Passa à galeria, não à prateleira. Por enquanto não. Somos ainda tão novos. Podemos gozar a vida. Ainda ontem as férias duravam uma eternidade, mas não chegavam, e agora cada um responde por si,
- «O que foi feito de ti?»
O que foi feito de ti chega-me? As pantufas são o prolongamento natural dos teus pés. Estas pantufas que são tudo menos pantufas: conformismo, hábito. Dever. Estou a falar para mim, ainda estamos ao Entardecer. Lamento o coro não possuir emoticons. Podia-me aparecer com a forma de símbolos simples.
Redescobri o painel: «É proibido afixar cartases». E a tinta em novelos a desagregar-se. Escrevo muito. Escrevo demais. Posso a qualquer momento tirar metade. O que possa ser distracção. Fazer a montagem final. Há sempre uma montagem final. Um último acto? Gostava que fosse feriado. Poder comprar tempo adiantado. Não gosto de faltar. Daqui a bocado vou. Vai passar-me esta sensação de Incorporação. Já não estou no Alentejo. Acabou há muito o estágio vegetal do medo. Do medo inventado. Daquele que bloqueia o simples.
Devia convocar um especialista em perfis. Saber como se fundem os esquecimentos. E as lembranças andam aqui a fazer o quê? Vale mais repousá-las num livro. Preciso de espaço para novas memórias. Não preciso de mais armazenamento. Espero que o Grande Irmão nunca me traia.
Que me sujeite de novo a todas agruras com a combatividade necessária. Com a sábia cedência (onde vou buscar a sapiência, ao fundo dum poço? A um regato límpido e frio da serra da Estrela?). A paz foi este desassossego. Isto não é um restaurante. Não há menu: fazemos a sopa com aquilo que há na dispensa. Com feijões vermelhos à vista (Grande M...!).
Iludo-me a ponto de pensar que toco piano neste teclado e que ouço Mozart ou Shubert. Que petulância, a desse velho teclado repescado. Onde está a videoconferência, em tempo real? Com Marte ou com Lóbios, ao pé do menir cilíndrico da floresta de Albergaria, das águas quentes, do andar trôpego, da adrenalina a descer com a altitude, do ar puro, do silêncio das serras, dos ataques de gelo a subir as escadas de pedra. Daquela vaca que nunca teve pesadelos. Do saco cama que me tem acompanhado a ponto de o considerar como um confidente. Uma memória dos meus pesadelos. E do meu sossego. De poderem roubar tudo, sem fazer barulho. Só me roubam mesmo se me levarem com eles, sequestrado no próprio saco-cama.
Nestes momentos de confronto. Momentos desesperados a tentar travar os minutos para que não amanheça já. Podemos ficar mais um pouco na conversa. Dá-me a tua melhor música, para cortarmos isto em dois. Deve haver imagens disponíveis para o reconhecimento. Não ser necessário levar uma rosa vermelha nos dentes. Embora queira lá aparecer com esse distintivo. Ser personagem não filmada de um argumento não escrito. Mas não posso apenas roçar o invisível. Tenho jeito para detectar fios que me podem fazer cair. Tenho um sensor nas canelas. Como soldado experimentado. A lua e as suas crateras é que me deixam de pernas para o ar, sem arma, sem reacção, a fazer uma patética figura. Um vagabundo na alta-roda.
Salto de parágrafo. O que estou a esta hora aqui a fazer? É o quê este desenrolar (desenrolar mesmo o cardápio não impresso, o restaurante ainda não abriu). O começo de quê? Não se pode simplesmente regularizar o rio das emoções com comportas, não se pode de todo tornar navegável o que acontece, o que acontece, estando a acontecer, não precisa de explicação, precisa de acontecer (receio que esteja a reclamar isto como se fosse de minha autoria e não seja…). Espero que não seja previsível. Que possa ser. Que possa acontecer. Que haja mesmo borboletas dessas que não causam apenas desastres naturais pessoais (não estou a falar da queda de uma bola de espelhos). Saltei ainda agora de parágrafo para anunciar a minha retirada provisória. Ao silêncio. Ainda não. Permaneço agarrado às almofadas, a fazer granel (barulho, confusão, na gíria militar).
Tenho um grande motivo para lá ir. Ter bons motivos para sair por via ecológica é bom. Depende do tempo e dos ossos. Os Ossos são ainda piores que o Coro. Só não fazem comentários. Limitam-se a lembrar a sua existência através de dores e escrevo por eles.
- «Estamos aqui. Vê lá se começas a lembrar-te de nós e a respeitar a idade. Estamos fartos de levar contigo, pá! Somos escravos da tua fúria? Queres tudo, já?»